Qual o papel do NOVO no cenário político brasileiro?


Diretas Já 1983-84

Diretas Já 1983-84

 

Editorial 30,

Desde o movimento Diretas Já (1983-84), o povo brasileiro não saía espontaneamente às ruas, em uníssono, a reivindicar os seus direitos. Vimos novamente uma juventude aguerrida, dita antes preguiçosa por pais e avós, não apenas gritar no mundo virtual, mas tomar o espaço público em 2013, a exigir o que é seu por direito: saúde, educação e segurança. Assustou, encurralou e chegou até a queimar os castelos dos atuais senhores feudais. Muito destes senhores, eram personagens do movimento iniciado em março de 1983 na pequena pernambucana Abreu e Lima, por membros do PMDB.

Junho 2013 - Manifestantes invadem o Congresso 17/06/2013. Crédito: Ronaldo de Oliveira

Junho 2013 – Manifestantes invadem o Congresso 17/06/2013. Crédito: Ronaldo de Oliveira

Entretanto, não é justo culpar a notória sede pelo poder deste partido pela atual degradação política nacional. Sua origem remonta ao bem-sucedido Plano Real e à mazela que toda “unanimidade” trás consigo – o populismo. Não obstante em seu estado de embevecimento e veneração popular, o povo (lê-se a mídia e o congresso) aplaudiu o Rei, perdoou ou sonegou seus inúmeros escândalos: sivam, precatórios, reeleição, privataria, corrupção, entre outros. A fórmula populista se mostrou forte, o que mudou de lá para cá foi a dosagem.

Angeli - Corrupção no governo FHC

Angeli – Corrupção no governo FHC

A sociedade brasileira como conhecemos hoje, urbana e politizada, é extremamente recente. Tivemos mais pessoas vivendo juntas em cidades do que isoladas no campo e tendo amplo acesso à informação em massa apenas na década de 80. Justamente no estopim da Diretas Já. De lá para cá, são 90% dos brasileiros vivendo em aglomerações urbanas. Quase 200 milhões de pessoas trabalhando, produzindo e, também, recebendo um bombardeio de informações diárias, quase instantâneas.

Um oceano de desejos e mentes, com a maturidade democrática de uma criança pré-adolescente que mal saiu das fraldas e cuja expectativa política já estava sendo destroçada pela incipiente maquiavelidade populista. Empurrados desamparadamente em busca de um bastião de ética, de uma ilha de purismo imaculado, vimo-nos no papel mais doloroso do ato de crescer: fazer más escolhas. Não pela opção em si, mas pela falta destas.

Partido dos Trabalhadores

Partido dos Trabalhadores

Iniciou-se o cenário político baseado na esperança. Do país que “votou certo” e entrará definitivamente nos eixos da ordem e do progresso. O presidente eleito vivencia uma longa e duradoura lua de mel com a imprensa. Nem tanto por adotar práticas modernas de governabilidade, por realizar reformas necessárias ou mesmo por instaurar o Estado da moralidade, tão almejado pelos crédulos brasileiros. Tem-se o início de um período de verdadeira calmaria, simplesmente, por não fazer absolutamente nada.

A manutenção das políticas macroeconômicas de seu antecessor e a ausência de quaisquer indicativos de radicalização afastaram os temores iniciais e permitiram que o país seguisse seu rumo, inercialmente.  Seu primeiro ano de governo não gerou uma única notícia que fosse digna de comentário. A “esperança” ainda estava celebrando (e distribuindo cargos).

Lula - Propaganda eleitoral 2002

Lula – Propaganda eleitoral 2002

Beneficiado pelo super ciclo das commodities e da estabilidade econômica interna e liquidez externa, o país conheceu um período de grandes superávits na balança comercial. Tal conjuntura permitiu a implantação de programas assistencialistas e de distribuição de renda em larga escala, também o estímulo ao crédito e o aumento real do salário mínimo. Tais fatores resultaram em alavancagem da atividade econômica e dos investimentos produtivos, principalmente nas regiões mais atrasadas e pobres do Brasil.

Ao mesmo tempo, a situação política interna começa a se deteriorar com as seguidas denúncias de corrupção. Antes do final do primeiro mandato do governo Lula, praticamente toda a cúpula do Partido dos Trabalhadores e as principais lideranças do governo, denunciadas nos escândalos, acabaram afastadas (e posteriormente condenadas): José Dirceu, Ministro da Casa Civil, Delúbio Soares, tesoureiro do PT, José Genoino (presidente do PT), Sílvio Pereira (Secretário do PT), João Paulo Cunha (Presidente da Câmara dos Deputados), Ministro das Comunicações, Luiz Gushiken, Ministro dos Transportes, Anderson Adauto, e até mesmo o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

A oposição “complacente”, quase ausente no primeiro mandato, não teve forças para interromper ou evitar a reeleição de Lula, em 2006, apesar dos escândalos políticos. Parte para evitar o chamado “telhado de vidro” e parte pela impossibilidade de se levantar contra a boa situação econômica da qual a população desfrutava e por puro e escancarado fisiologismo eleitoreiro. Apesar da instabilidade política, a popularidade do presidente Lula parece não ser afetada.

Lula 2006

Reeleição de Lula, 2006

Com altíssima popularidade e contando com apoio político, vide sua reeleição tranquila, ainda assim, Lula não tomou a iniciativa de realizar as reformas fundamentais ao país: a da educação, a  tributária e a política. Como um bonde que se perde, viu a crise de 2008 acabar com o dinheiro farto. Viu os seguidos escândalos acabarem com o monopólio de ética, da virtude e com qualquer pureza ideológica que ainda restavam ao PT. Quadros internos resilientes eram expulsos ou debandavam a todo instante. A governabilidade acabou suplantando a ideologia.

Usando as palavras de Fernando Soares, o “que se viu foi o PT apoderar-se dos principais cargos da administração federal e das estatais, e distribuí-los entre correligionários, apaniguados, e familiares; o que se viu foi governo petista aumentar de forma descomunal os quadros da administração, inflar os gastos públicos , especialmente com propaganda; o que se viu foi a administração petista onerar a sociedade com o aumento fabuloso da carga tributária; finalmente, o que se viu foi o governo do PT estabelecer uma maioria no Congresso ao preço da prática do mais explícito e despudorado fisiologismo que se tem notícia.”

Mais pela incompetência da oposição do que pelos méritos da candidatura de Dilma Rousseff e auxiliado pelo total avacalhamento das leis eleitorais e do uso espúrio da máquina pública, Lula consegue fazer o seu sucessor e manter o Estado nas mãos do PT.

Dilma 2010

Lula faz seu sucessor em 2010

A imoralidade e o despudorado pântano político no qual o PT foi protagonista e jogou o Brasil na década de 2000, destroçou não somente qualquer resquício de reputação como também escancarou a realidade do jogo político nacional: do poder pelo poder. Não há oposição consolidada. Sequer organizada. Os partidos políticos existentes partem para a prática explícita do adesismo, do fisiologismo e do personalismo político.

A “marolinha” externa se agrava e exige sérios ajustes na condução econômica e no controle dos gastos públicos, fio condutor do vitorioso projeto político petista até então. O descompromisso institucional e a irresponsabilidade fiscal apenas acentuam a solução keynesiana petista: desenfreada política de compadrio financiada pelo BNDES, o uso político da Petrobras e a ampliação do crédito e do aumento da demanda, sem a contrapartida da oferta em um ambiente contaminado pela redução de liquidez e do aumento generalizado dos preços, trazendo à tona, o pesadelo da inflação pré FHC.

O sentimento de frustração está latente na sociedade. Até mesmo a última instância de reserva moral da nação, o Supremo Tribunal Federal, não consegue sequer trancafiar os personagens envolvidos no escândalo do Mensalão, de anos atrás. A culpa seria dos tais “embargos infringentes”. Tamanho descontentamento represado é capaz de estourar pelo motivo mais humilde, como um protesto pelo reajuste da tarifa de ônibus, por exemplo. Assim chegamos a junho de 2013.

Avaliação do governo Dilma

Avaliação do governo Dilma – Período entre 2012 e 2015

Os protestos de 2013 começaram em apoio aos estudantes vítimas da truculência policial e se agigantaram, avolumando as demais insatisfações populares a ponto de nos libertar das amarras do marketing à la Goebbels. O mundo cor de rosa da propaganda oficial caía por terra e devolvia à realidade milhões de brasileiros, assim como colocava a ética e a moral novamente no centro do debate político e antecipava a campanha eleitoral, a pouco mais de um ano das eleições.

Novos jogadores emergem na esteira da derrocada governista. Ainda que a vantagem de controlar o “sistema” tenha impedido a efetiva participação da REDE, de Marina Silva, esta surge como (suposta) terceira via, após assumir o lugar de Eduardo Campos (PSB). Ante a possibilidade real de perder o poder, o PT radicaliza a campanha: divide o eleitorado pela apelativa dicotomia simplista do bom/mau (ou povo/elite), desconstrói impiedosamente a candidatura de Marina Silva, omite a péssima condição das contas públicas e, por má fé, ataca as propostas de austeridade defendidas pela oposição, defendendo a bandeira da manutenção inequívoca dos programas sociais.

A presidente é reeleita por margem estreitíssima. Nos dias seguintes, reduz ou reavalia   inúmeros programas sociais e anuncia ações de austeridade, as mesmas propostas pela oposição e tão rejeitadas, quando em campanha. A traição bate forte na boca do estômago dos seus eleitores e sua rejeição explode (vide gráfico). É o início do segundo mandato de Dilma Rousseff e o fim do projeto petista de poder. O brasileiro aprendeu, do jeito mais difícil: escolhendo errado, sendo enganado. Agora, vai colher as benesses da experiência.

Farinha do mesmo saco (Candido Neto)

Farinha do mesmo saco (Candido Neto)

O amadurecimento trás responsabilidade. Passeatas passaram a predominar no noticiário nacional de forma nunca vista. A sensação de pertencimento, do desejo de ética e moralidade da coisa pública, de consciência de seu próprio poder, fez do brasileiro um ativista da sua vontade. Com toda essa energia implorando por uma válvula de escape, ele agora quer muitas coisas (até coisas estúpidas, como a volta dos militares) mas tem uma certeza absoluta: ele sabe o que NÃO quer.

Recuperando o atraso em relação aos principais centros economicos mundiais, a derrocada populista, principalmente pelo fim do super ciclo das commodities e do acirramento da crise econômica mundial, possibilitou,  enfim, que o liberalismo se livrasse da -pecha demoníaca- imposta pelo petismo. É chegada a oportunidade de trilhar o caminho da emancipação individual através da prática da liberdade econômica.

De forma tímida e quase imperceptível ao grande público, o candidato Pastor Everaldo (PSC) chamou a atenção nas eleições presidenciais de 2014 ao defender abertamente a privatização das grandes empresas estatais, a redução do Estado, a abertura à iniciativa privada irrestrita das áreas de saúde e educação, extinção de tributos, impostos e barreiras alfandegárias, reforma trabalhista, corte de gastos e o fim do voto obrigatório.

Conquistou pouco menos de 1 milhão de votos e fez algo ainda mais impensável: moveu a Janela de Overton, do movimento liberal brasileiro, de “proibido com ressalvas” (como explicou o governo, na concessão dos aeroportos) para “neutro”. Já era possível levar a discussão, dos nichos mais politizados, para dentro dos lares brasileiros.

Janela de Overton (Joseph P. Overton)

Exemplo de Janela de Overton (Joseph P. Overton)

A quebra deste tabu, que perdura desde o sumiço da oposição, em 2002, permite novamente a entrada das ideias liberais no âmbito da discussão doméstica nacional. Grupos liberais e libertários (anarcocapitalistas e até minarquistas) literalmente “saem do armário” e ganham exposição: programas de rádio, alas liberais de partidos políticos e até, na definição de timming perfeito, corpo, na forma de um partido político desde a sua concepção, com o NOVO.

A sua ideia de gestão eficiente do Estado, levado a cabo pela iniciativa civil, levou cinco anos até receber o aval do TSE, em setembro de 2015. Seu deferimento coincide também com o endurecimento das regras para a vida dos partidos políticos, tanto dos atuais quanto a dos postulantes a novos partidos. Erradicação do financiamento empresarial, prazos menores para a entrega das assinaturas necessárias e tantas outras milongas, especialmente pensadas para suprimir o oxigênio das atuais e impedir o surgimento de novas legendas.

Uma linha de raciocínio atual vincula todos os pontos acima à uma espécie de estratégia maquiavélica petista, quase perfeita. Extinguir a fonte de recursos dos demais partidos, atualmente em sua quase totalidade proveniente de doações jurídicas e, impedir o surgimento de novas siglas de oposição, muito mais inamistosas que as atuais. Era o cenário ideal, pensado para um partido (com as duas mãos nas chaves dos cofres públicos)  se perpetuar no poder.

O plano perfeito deu água. O que esperar agora, das eleições a prefeitos e vereadores em 2016, nesta nova perspectiva de cenário político?

Eleições Municipais 2016

Eleições Municipais 2016

Principalmente campanhas enxutas e partidos focados nas possibilidades com maiores chances de vitória. Isto significa menos candidaturas próprias, mais coligações e propostas menos originais, diluídas, de forma a agradar a heterogeneidade de todos os interesses acordados. Ponto para a originalidade, para o NOVO. Serve também para os que se dizem -novos-, como o PSL, agora respaldando a sua ala “Livre”. Assim como para o PSC e todos os demais que pretenderem pegar carona na atual onda liberal (econômica, diga-se).

Não seria surpreendente ver uma leva expressiva de vereadores liberais elegendo-se por estes partidos. As mídias sociais entraram a valer no cotidiano político nacional a partir da última eleição e sua trajetória de importância só fará crescer. É quase certo que o NOVO faça um ou mais vereadores daqui a oito meses e tenha outros dois anos para botar o time em campo e fazer bonito em 2018. Tal qual, os movimentos não partidários como o MBL estarão presentes e, utilizando-se dos partidos ônibus, também deverão eleger seus vereadores em outubro próximo, com grandes perspectivas de crescimento em 2018.

Nem tanto pela competência oposicionista mas por acreditar piamente em sua própria ambição socialista, o declínio do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores deixa um vácuo a ser preenchido pelo liberalismo e essa nova fase política nacional nos leva a uma pergunta: como será o espaço político para o Partido NOVO em um ambiente com tendências liberais a médio prazo? Haverá, o brasileiro comum, notadamente conservador e uma vez aderido à tendência liberal econômica, de escolher o seu partido de preferência pelas bandeiras que defende? As mesmas que o NOVO evita debater?

Livre Concorrência

Livre Concorrência

Em um mercado de livre concorrência, onde competidores surgem oferecendo o mesmo produto e de melhor qualidade (com posturas definidas sobre variados temas), o seu produto tornar-se-á ultrapassado ou de menor valia. Questões baseadas em princípios como honestidade (supondo-se desonesto o candidato concorrente) não são prioritárias quando em confronto direto com questões pessoais como aborto, homoafetividade ou desarmamento. Eduardo Suplicy não perdeu a cadeira de Senador em 2014, para José Serra, por ser menos honesto, sim por ser do PT.

Por outro lado, definir-se é limitar-se. No caso do partido NOVO, limitar-se é contra prudente (falando muito polidamente). Um partido que pretende se auto financiar e ainda executar campanhas políticas apenas com doações de pessoas físicas, também abrir mão do Fundo Partidário e ainda ter intenções protagonistas sérias no longo prazo, deve estar disposto a enfrentar uma seara de complicações que deixará a hercúlea tarefa das 500 mil assinaturas no chinelo.

Inúmeras vozes se levantaram contra o projeto de João Amoedo nos últimos cinco anos e ele provou que era possível sim, criar um partido político, de cunho liberal econômico no Brasil, por pessoas sem nenhum vínculo com a política. Existem modos de tornar o projeto não apenas realidade mas, exequível. Ajustar a proposta de filiação patrocinada, alterar o modelo de participação interna e delegar correntes de pensamentos é uma forma. Assim como o câmbio fixo não funciona na economia, a política de não posicionamento sobre temas deverá ser abolida, cedo ou tarde.

O Partido dos Trabalhadores pode ter vilipendiado a nação e ter tentado a espúria prática de institucionalizar a figura do “partido único” socialista sem oposição, com a compra mensal sistemática dos parlamentares, mas deixou também todo um legado de como desenvolver e trabalhar um partido de massas: o envolvimento de voluntários, a implantação de diretórios locais por todo país (e não comissões provisórias que são diluídas após cada eleição), enfim, fez da ideologia (e cada um que escolha a sua!) o fio condutor da sua atividade e da sua atratividade partidária. Exatamente o papel que cabe ao NOVO neste novo patamar político nacional.

Entender as nuances de todo este legado histórico e o seu desenvolvimento (para o bem ou para o mal) é como ter um livro de história, bem aberto diante dos olhos. Entendê-lo é prever o futuro, e determinar o sucesso ou o fracasso de um partido baseado em idéias, em uma nova realidade política brasileira vindoura.

 

4 comentários sobre “Qual o papel do NOVO no cenário político brasileiro?

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  2. … Aqui estar o mais profundo dos textos já lido por mim, nestas narrações políticas sócio-econômica-financeira – de – meia – tigela comunistas doentes que se proliferou de maneira fácil, pelo Brasil ter uma Nação tão Idiota.

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