O Poder dos Preconceitos


Leandro Monteiro - NOVO, SP

 

“Não tenha preconceitos”.

Quem ouve essa frase — um verdadeiro lugar-comum em nosso quotidiano — muitas vezes não se atenta para seu real significado. E quem acredita que se livrou de todos os seus não percebe que está, na verdade, fazendo um prejulgamento sobre si mesmo.

A ideia de preconceito pode ser definida como formar uma opinião sobre algo ou alguém antes de ter conhecimento dos dados ou fatos relevantes. É formar um prejulgamento de algo ou alguém baseado, em geral, em uma ou algumas poucas características sua — muitas vezes sem relação direta com o objeto do julgamento —, em detrimento de outras muitas, em geral desconhecidas do observador.

Nossa vida quotidiana, na verdade, é permeada de preconceitos. No buffet do restaurante, vemos aquela bela macarronada e salivamos, pensando “adoro macarrão”. A verdade é que aquele, em particular, pode estar um horror; e o bife de fígado que deixamos passar ali atrás (com cara feia), feito com a receita de família da cozinheira, nos deixaria muito mais felizes do que a macarronada ruim. Preterimos um caminho a outro porque achamos que ele, “como sempre”, deve estar engarrafado. Compramos as verduras na vendinha ao invés do mercado porque ali elas devem ser mais frescas. Isso para dar apenas alguns exemplos.

Não ter preconceitos não é apenas praticamente impossível, mas também provavelmente indesejável. Fazer e usar pré-conceitos são um comportamentos animais que foram selecionados durante milhares de anos da nossa evolução — sim, comportamentos também são selecionados! —; e têm um papel fundamental em nossa sobrevivência enquanto indivíduos e enquanto espécie.

Como diz o adágio, “todos os cogumelos são comestíveis, mas alguns você só come uma vez”. A zebra que precisava checar se todos os leões são de fato carnívoros e se estão com fome provavelmente não chegou nem a se reproduzir. A criança que não aprendeu com o ensinamento dos pais a não aceitar doces de estranhos talvez tenha sofrido graves consequências.

Aceitar que ter preconceitos faz parte de nossa natureza não quer dizer, porém, que quaisquer preconceitos sejam justificáveis. Muitas das condições que contribuíram para a formação de um prejulgamento são circunstanciais; outras são históricas, passageiras; outras são ainda ultrapassadas por avanços tecnológicos, sociais ou culturais, e também pela experiência individual. Com isso, alguns comportamentos baseados em conceitos previamente estabelecidos deixam de fazer sentido, por passarem a ser até mesmo desnecessários.

Não comer nenhum cogumelo, por exemplo, fazia sentido antes de conseguir distinguir com clareza quais variedades de cogumelos são venenosas e quais não. Não chegar a menos de 500 metros de um leão fazia sentido antes de termos sido capazes de criarmos uma grade de ferro para isolá-los. Preferir a macarronada fazia sentido antes de descobrir que o restaurante punha canela no molho.

Assim, mais importante do que a busca inócua por não ter preconceitos, o que devemos buscar sistemática e enfaticamente é revisitar e rever nossos preconceitos, e termos a serenidade de mudá-los quando não mais fizerem sentido. Melhor do que pedir para as pessoas fazerem o impossível não tendo preconceitos, melhor seria instá-las a revê-los e a substituí-los por conceitos melhores, mais úteis e menos limitadores.

Mas por que esse papo num blog de política?

Todo esse prelúdio tem por objetivo, além de convidar os leitores a reverem seus preconceitos em geral, especificamente pedir que revisitem suas opiniões (e que convidem outros a reverem também as suas) em relação à política e aos políticos. Com o período eleitoral chegando, começamos a ouvir sistematicamente bordões como “político nenhum presta”, ou “quem se envolve em política é tudo safado” — o que são símbolos mais palpáveis de um preconceito generalizado contra a classe e a função políticas.

Apesar de ser liberal e de achar, consequentemente, que os políticos deveriam ser em número e ter funções muito mais reduzidos, busco também ser pragmático e reconhecer que (1) no nosso sistema atual, políticos têm, de fato, atribuições relevantes, e (2) mesmo em um sistema de maior abertura ao indivíduo, as funções políticas ainda teriam certa importância.

Some-se a isso, ainda, o fato de que há, de verdade, pessoas dos diversos espectros ideológicos, tanto já envolvidas no sistema político quanto novatas (como muitos candidatos do Novo nestas eleições), que estão dedicando seu tempo, suas energias, seus talentos, com objetivo realmente cívico de contribuir, à sua maneira, para com a sociedade, sem agendas escusas, sem interesses corruptos, sem promessas demagógicas.

Sem darmos esse passo no sentido de reconhecer a existência de algum real espírito público no meio político, e da possibilidade de atuação correta, justa, direita no jogo democrático, atendo-nos apenas a um preconceito (justificável, mas não justificado), estaremos contribuindo para manter a política como um terreno árido, aversivo às pessoas de bem que tanto poderiam contribuir para a construção de um país mais livre e desenvolvido.

PS: Na verdade, adoro fígado. E realmente não gosto de canela. E, sim, esta frase está cheia de preconceitos.

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Leandro Monteiro, advogado e bacharel em Relações Internacionais, ambos pela PUC-SP, e mestre pelo Programa Santiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Atua primordialmente na área do agronegócio. É liberal.

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