Individualismo e coletivismo: uma discussão sobre interesse pessoal e interesse dos partidos


 

Leandro Monteiro - NOVO, SP

 

Em diversos debates internos partidários, assim como em qualquer agremiação, é comum que uma das partes acuse a outra de estar se manifestando ou agindo apenas por “interesse pessoal”, colocando-os acima dos interesses ou da vontade do grupo.

Mas, afinal, trata-se de um argumento válido? Ou de uma acusação ad hominem, um estratagema para desqualificar o oponente sem necessitar contrapor suas ideias e, como ensinou Schopenhauer, “vencer qualquer debate sem precisar ter razão”?

Antes de tudo, cumpre-nos analisar dois princípios antagônicos que permeiam essa questão: o coletivismo e o individualismo. O primeiro se fundamenta na ideia de completa interdependência entre os seres humanos. A coletividade é um verdadeiro ente, o qual os indivíduos compõem — como as células do nosso corpo —, mas com o qual não se confundem. Essa matriz filosófica, como facilmente se percebe, está no fundamento de diversas correntes políticas: o socialismo, o comunismo, parte do movimento verde, o fascismo e o nazismo.

Por seu turno, o individualismo, alicerce da doutrina liberal clássica, tem por fundamento a ideia de que cada ser humano, apesar de interativo, é um ente autônomo, dotado individualmente de seus próprios sentimentos, desejos, visão e sensação do mundo, valores, potencialidades, interesses. Deste princípio filosófico decorre a ênfase liberal à proteção à vida, à liberdade e à propriedade, eis que são as condições para que o homem possa exercer sua individualidade.

Apesar do foco filosófico no indivíduo, a ideia de coletividade não é tampouco estranha ao individualismo; individualismo não significa isolacionismo. O ser humano é um ser social, interativo com o mundo e com os outros seres, e notadamente cooperativo.

O que há é uma grande divergência entre a natureza da coletividade. Para os coletivistas, o grupo social é um ente diferenciado. Disso decorre que ele tem suas próprias vontades e necessidades — o que Rousseau chamou da “vontade geral”, que se expressa na fala do grupo político dominante —, que direcionam a coletividade para sua sobrevivência e desenvolvimento. A “vontade geral”, por imperativo lógico, nunca está errada, nem pode ser contraposta, pois disso decorreria a morte do “corpo social”.

De encontro a essa visão, os individualistas entendem que a coletividade se limita a interações entre indivíduos, que, independentemente de estarem ou não reunidos e se relacionando, permanecem autônomos entre si e mantém seus desejos, sentimentos e interesses individuais.

Nesse sentido, para um individualista, quando alguém se levanta e fala “nós achamos que…”, não se trata da expressão da “vontade geral” de uma coletividade. Trata-se apenas daquilo mesmo que se vê: um indivíduo, autonomamente, manifestando um interesse que pode (ou não) ser compartilhado pelos demais indivíduos que compõe aquele “nós”.

Que um grupo pode ter interesses comuns, isso é certo — aliás, grupos não se formam senão pela comunhão de algum interesse. Contudo, não é por serem comuns que não deixam de ser de ser individuais; nem tampouco deixam de estar permeados por um sem-número de outros interesses individuais, muitos dos quais antagônicos aos interesses dos demais indivíduos do mesmo grupo (dada a escassez dos recursos pelos quais nos interessamos).

Assim, o uso no discurso do “nós”, do “grupo”, serve na verdade como instrumento de poder — que, lembremos, nada mais é do que a capacidade de alguém determinar o comportamento de outro alguém —, a buscar garantir maior efetividade ao alcance daquele interesse manifestado. O “nós” é utilizado pelo indivíduo para indicar ao seu opositor que há (ou pode haver) um grupo que comunga daquele interesse oposto ao seu, e que está disposto a reunir seus poderes individuais caso ele (antagonista, divergente) não submeta seu interesse àquele compartilhado pelo grupo.

Veja que não se faz aqui, a princípio, nenhum juízo de valor quanto ao uso de instrumento de poder (desse ou de outros) para a busca de interesses individuais — seja de um, seja compartilhado por vários. O mundo é um ambiente de recursos limitados, e a todo tempo estamos, em nossas interações, buscando (por instrumentos de poder) que outros se submetam às nossas necessidades, vontades e interesses, e nos submetendo àqueles de tantos outros.

Trata-se apenas um alerta do que, na visão de um individualista filosófico, há por trás de um posicionamento dito coletivo: não é a “vontade geral”, a “verdade” do grupo, da agremiação, do partido; é a manifestação de poder relativa a um interesse, que pode ser comum a outros integrantes do grupo, ou pode não ser.

E conhecimento também é poder.

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